Viviane Coelho Vasques
Advogada, sócia da Xavier Vasques
Advogados Associados
A teoria da desconsideração da personalidade
jurídica deve ser aplicada com cautela, diante da previsão de autonomia e
existência de patrimônios distintos entre as pessoas físicas e jurídicas da
sociedade.
O art. 50 do Código Civil estabelece
os critérios objetivos identificadores da desconsideração da personalidade
jurídica: o desvio de finalidade e a confusão patrimonial. Sem a comprovação
destes critérios é imprudente aplicar a Disregard of legal entity.
Todavia, em cada ramo do direito se
percebe práticas aleatórias para desconsideração da personalidade jurídica, que
não se identifica com a regra do art. 50 do Código Civil, o que faz com que a
teoria seja aplicada desmedidamente. Por exemplo, no direito tributário, os
julgados passaram a considerar analogicamente o art. 135, III, do Código
Tributário Nacional, com o objetivo de desconsiderar a personalidade jurídica,
em clara confusão com o instituto da responsabilidade, assim como no Direito do
Trabalho, com o art. 2º, § 2º da CLT, que além de não analisar os critérios
legais do Código Civil, aplica o disregrad
apenas com um pedido simples formulado pelo empregado. Na legislação
antitruste, é o art. 18 da Lei 8.884/94 citado como fundamento da
desconsideração, porém, não há conteúdo técnico que o aproxime da teoria em
comento.
Para Miguel Reale o Código Civil é a legislação matriz que dispõe não somente
sobre as regras aplicáveis às relações privadas, mas a toda órbita de relações,
sejam elas de ordem pública ou privada. Assim, adotando-se o entendimento do
ilustre doutrinador a teoria tem aplicação em todos os ramos do direito,
devendo ser respeitada o regramento do art. 50 daquele diploma legal.
Destaca-se que desconsiderar a
personalidade jurídica nada mais é do que tornar ineficaz a capacidade da
pessoa jurídica de adquirir direitos e obrigações, passando os sócios e os
administradores a responderem pessoalmente pelas obrigações e com patrimônio
próprio. Por este motivo que a teoria deve ser aplicada com cautela e somente quando
comprovados os elementos identificadores do abuso de direito.
Não se pode olvidar que o objetivo da teoria
é reprimir o abuso de direito da personalidade jurídica, sempre quando houver
um exercício irregular do direito da sociedade, praticado por desvio da
finalidade ou pela confusão patrimonial. Somente nos casos em que não se puder
manter a função econômica e social da sociedade é que deverá haver a
desconsideração da personalidade, pois o princípio mais importante é a
preservação e o desenvolvimento econômico da pessoa jurídica.
Mas, é claro, quando se verifica que a
empresa não é economicamente viável, que não possui bens ou que os mesmos foram
ardilosamente ocultados pelos sócios a desconsideração é o meio adequado para
punir o abuso de personalidade.
Importante destacar que o critério desvio
de finalidade é caracterizado quando os sócios realizam atos alheios aos
interesses da empresa. Assim, haverá desvio se o ato praticado pela pessoa
jurídica tem por objetivo prejudicar terceiros.
Já a confusão patrimonial é outro
critério caracterizador da desconsideração da personalidade jurídica, porém,
mais fácil de ser definido e identificado, uma vez que compreende a mistura
entre os patrimônios da sociedade e dos sócios. É quando os sócios agem como se
fossem os proprietários dos bens que pertencem à sociedade. Um exemplo clássico
de confusão patrimonial é quando as contas da pessoa física são pagas pela
pessoa jurídica, como faturas de cartões de crédito, telefônicas etc.
Assim, havendo comprovação do desvio
de finalidade ou da confusão patrimonial, a sociedade poderá ser desconsiderada
e os sócios responderão ilimitadamente, ou seja, com o seu patrimônio pessoal
pelos prejuízos causados a terceiros.
A desconsideração da personalidade
jurídica é, atualmente, um instrumento extremamente importante para combater as
condutas fraudulentas e abusivas que têm se tornado cada vez mais frequentes no
contexto nacional.
Contudo, não se pode perder de vista a
excepcionalidade que envolve a sua aplicação, visto que somente se legitima
quando devidamente comprovadas as circunstâncias autorizadoras previstas na
legislação, sob pena de comprometermos a segurança jurídica.