terça-feira, 16 de julho de 2013

A Aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica nos Tribunais

Viviane Coelho Vasques
Advogada, sócia da Xavier Vasques 
Advogados Associados

 A teoria da desconsideração da personalidade jurídica deve ser aplicada com cautela, diante da previsão de autonomia e existência de patrimônios distintos entre as pessoas físicas e jurídicas da sociedade.

O art. 50 do Código Civil estabelece os critérios objetivos identificadores da desconsideração da personalidade jurídica: o desvio de finalidade e a confusão patrimonial. Sem a comprovação destes critérios é imprudente aplicar a Disregard of legal entity.

Todavia, em cada ramo do direito se percebe práticas aleatórias para desconsideração da personalidade jurídica, que não se identifica com a regra do art. 50 do Código Civil, o que faz com que a teoria seja aplicada desmedidamente. Por exemplo, no direito tributário, os julgados passaram a considerar analogicamente o art. 135, III, do Código Tributário Nacional, com o objetivo de desconsiderar a personalidade jurídica, em clara confusão com o instituto da responsabilidade, assim como no Direito do Trabalho, com o art. 2º, § 2º da CLT, que além de não analisar os critérios legais do Código Civil, aplica o disregrad apenas com um pedido simples formulado pelo empregado. Na legislação antitruste, é o art. 18 da Lei 8.884/94 citado como fundamento da desconsideração, porém, não há conteúdo técnico que o aproxime da teoria em comento.

Para Miguel Reale o Código Civil é a legislação matriz que dispõe não somente sobre as regras aplicáveis às relações privadas, mas a toda órbita de relações, sejam elas de ordem pública ou privada. Assim, adotando-se o entendimento do ilustre doutrinador a teoria tem aplicação em todos os ramos do direito, devendo ser respeitada o regramento do art. 50 daquele diploma legal.

Destaca-se que desconsiderar a personalidade jurídica nada mais é do que tornar ineficaz a capacidade da pessoa jurídica de adquirir direitos e obrigações, passando os sócios e os administradores a responderem pessoalmente pelas obrigações e com patrimônio próprio. Por este motivo que a teoria deve ser aplicada com cautela e somente quando comprovados os elementos identificadores do abuso de direito.

Não se pode olvidar que o objetivo da teoria é reprimir o abuso de direito da personalidade jurídica, sempre quando houver um exercício irregular do direito da sociedade, praticado por desvio da finalidade ou pela confusão patrimonial. Somente nos casos em que não se puder manter a função econômica e social da sociedade é que deverá haver a desconsideração da personalidade, pois o princípio mais importante é a preservação e o desenvolvimento econômico da pessoa jurídica.

Mas, é claro, quando se verifica que a empresa não é economicamente viável, que não possui bens ou que os mesmos foram ardilosamente ocultados pelos sócios a desconsideração é o meio adequado para punir o abuso de personalidade.

Importante destacar que o critério desvio de finalidade é caracterizado quando os sócios realizam atos alheios aos interesses da empresa. Assim, haverá desvio se o ato praticado pela pessoa jurídica tem por objetivo prejudicar terceiros.

Já a confusão patrimonial é outro critério caracterizador da desconsideração da personalidade jurídica, porém, mais fácil de ser definido e identificado, uma vez que compreende a mistura entre os patrimônios da sociedade e dos sócios. É quando os sócios agem como se fossem os proprietários dos bens que pertencem à sociedade. Um exemplo clássico de confusão patrimonial é quando as contas da pessoa física são pagas pela pessoa jurídica, como faturas de cartões de crédito, telefônicas etc.

Assim, havendo comprovação do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial, a sociedade poderá ser desconsiderada e os sócios responderão ilimitadamente, ou seja, com o seu patrimônio pessoal pelos prejuízos causados a terceiros.
A desconsideração da personalidade jurídica é, atualmente, um instrumento extremamente importante para combater as condutas fraudulentas e abusivas que têm se tornado cada vez mais frequentes no contexto nacional.

Contudo, não se pode perder de vista a excepcionalidade que envolve a sua aplicação, visto que somente se legitima quando devidamente comprovadas as circunstâncias autorizadoras previstas na legislação, sob pena de comprometermos a segurança jurídica.